Wednesday, March 14, 2012

Miscelânea da manhã


     Ouço o barulho frenético da cidade e espanto-me. Já não tinha lembrança de como era viver no centro de uma cidade, mesmo sendo esta pequena. 
    Acordei e levantei-me de um salto, não conseguia estar naquela cama se não conseguia dormir. 
   Sentia-me doente mesmo não tendo sintomas de nenhuma doença. Era uma sensação de alma débil e fraca, a vontade era de ficar o dia todo em casa a limpar e arrumar para não ter que pensar muito. De repente ouvi o elevador e lembrei-me de quando era criança ir sempre de escada, a correr, fosse qual fosse o andar e ficava toda contente quando chegava lá primeiro. Humano versus machine. Olhava pela janela para a rua e o dia estava cinzento como eu já não o via há algum tempo e fez-me sentir que não gostava de estar doente com o tempo cinzento mas ao mesmo tempo até que fazia sentido estar doente com o tempo cinzento. Se é para estar doente que seja assim com o tempo cinzento e não quando o sol brilha e a praia chama por nós. Já me tinha vestido e ia tomar o pequeno-almoço quando comecei a pensar que esta era a única refeição do dia que gostava de tomar sozinha. Juntamente com este pensamento começou-se a ouvir o cão da minha vizinha a ladrar, ela detesta que ele ladre a esta hora e por isso sorri ao saber que ela poderia ter acordado já chateada. Então fiquei à janela para ver se a minha previsão estava correcta, e lá veio ela com um jornal na mão, toda despenteada, já aos berros com o cão como se ele fosse uma criança mal comportada. O cão ficou a olhar para ela com um ar como quem diz: Já é dia é para levantar.
    Há muito que tentamos ao máximo esquecer as horas aos fins-de-semana, de modo a ter paz. Gostamos de, de vez em quando, deixar-nos ir e não fazer nada, e por isso ficamos a dormir até tarde, e por isso limpamos a casa quando podíamos sair, e por isso acordamos sem vontade de pensar. Não queremos lembrar-nos do que sabemos sobre o mundo, sobre a vida e sobre nós mesmos. A sobrecarga de toda a complexidade que somos faz-nos sentir exaustos de viver.  Mas claro que os cães não percebem isso, é dia é para ladrar, falar com outros cães, comer, brincar... e também dormir a sesta, com a total descontracção de quem o pode fazer, de quem não está preso a nada. E entretanto já tinha tomado o pequeno-almoço e já tinha feito a cama e começado a ter dores de cabeça. Olho outra vez lá para fora com a esperança que o tempo tenha mudado de cor mas ao vê-lo na mesma, cinzento, lembrei-me que a terra precisava de chuva e fiquei feliz por vê-lo cinzento. Mesmo que não pareça bonito é preciso que chova, é preciso que o céu chore para libertar  o que tem guardado há muito. E isso eu entendo perfeitamente, e então fico a olhar feita parva para o céu a dizer-lhe que pode chorar que ninguém está a ver, que irão sempre haver pessoas que sentirão as suas lágrimas e sorrirão. Porque a tristeza de uns é a felicidade de outros. O que é, simultaneamente, bom e mau. Mas tu céu não pensas e portanto isto não interessa para nada. De repente o céu fica ainda mais cinzento havendo uma pequena parte dele em que o sol brilha e isso faz-me pensar em algo que já sabia: existe sempre esperança, existe sempre esperança. 
    Começando a chover, assim do nada, sem ninguém estar à espera...

 Bem-vinda chuva, há tanto tempo que não te via...

(Uma das minhas vizinhas tinha acabado de estender a roupa, rio-me da correria dela para a apanhar...) 


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"...o meu coração é uma floresta cheia de nevoeiro - guarda tudo e não encontra nada. Sou uma recordadora profissional. Vivo de recordações, mesmo daquilo que ainda não fiz.E repito infinitamente os mesmos truques. Iludo-me. Penso sempre que amanhã é que vai ser. Desenvolvi um erotismo futurista: deleito me com o puro prazer dos meus sonhos.De certa maneira, já vivi tudo, porque em sonhos consigo projectar-me inteira nos corpos, nos sentimentos e nas experiências dos outros. Tenho uma capacidade estereofónica; posso ter ao mesmo tempo cem e dezoito anos. O que é um cansaço..." IP