Saturday, October 23, 2010

Empatia


Ali estava ele, sereno e frio, a olhar para o mar. Tive medo de me aproximar, aquela figura dele deixava-me a tremer por todos os lados.

Aproximei-me devagar e sentia que quebrava um muro a cada passo.

Há sempre momentos destes, em que sentimos que uma enorme energia está à nossa volta e sentimo-nos envolvidos por ela. E há pessoas assim que transmitem uma energia tremenda em qualquer lado e em qualquer altura, energia tal que não cabe nelas que não cabe em nós, que se espalha de tal modo que chega aos confins da Terra.

Quando cheguei ao pé dele queria tanto falar… mas a voz não me saia. Encostei-me ao corrimão e fixei o mesmo ponto que ele (fosse ele qual fosse). Um turbilhão de pensamentos passaram pela minha cabeça e nada me parecia correcto dizer.

Também há pessoas assim, que nos fazem perder as palavras e que nos fazem perder num labirinto, que nem sabíamos que existia, dentro de nós.

Olhei para o céu à procura de algum tipo de inspiração divina e começou a pingar. Ele riu-se e disse:

- Trouxeste a chuva contigo.

Cabisbaixa e tímida respondi:

- Desculpa.

- Eu adoro chuva. – Afirmou com um sorriso sincero.

E eu sorri também. Começou a chover violentamente e ele riu-se à gargalhada e rimo-nos os dois. Ficámos então, ali à chuva a rirmo-nos, de nada e ao mesmo tempo, de tudo.

Não foi preciso mais nada para saber que estávamos unidos por uma força maior que se chama empatia. E contra a empatia todas as armas são fracas, não há nada no mundo que quebre tal ligação. Acredito piamente nisso. Assim como acredito que podemos não ficar juntos mas sim, criamos outro mundo quando o estamos.


Foto de: Luís Bravo.

Friday, October 15, 2010

Para ti meu amor

Querida Neta, Neta querida,


Escrevo-te esta carta de despedida para que um dia, quando tenhas idade suficiente para a ler e a entender, possas ficar com um pouco de mim.

Espero que a minha filha e o homem que ela escolheu para ser teu pai cuidem bem de ti e te ensinem a ser aquilo que és. Eu confio na minha filha, sei que ela vai se esforçar para ser uma boa mãe para ti.



Não nos conhecemos mas sinto, sempre que toco na barriga da tua mãe, que vais ser parecida comigo. Estás sempre muito quieta e raramente chateias a tua mãe e quando o fazes é por uma boa razão, no entanto o teu batimento cardíaco é acelerado para um ser com o teu tempo de vida, como se vivesses sempre com grande entusiasmo cada instante do teu tempo...

Agora minha neta queria dar-te os conselhos de avó que todos nós devíamos ter tido. Não pretendo que te tornes perfeita apenas pretendo que te esforces para ser sempre uma pessoa melhor.


Quero que saibas que há coisas absolutamente magníficas na vida e elas são as mais puras e simples. Nunca te esqueças disto.

Não tenhas pressa e a vida vai te saber muito melhor. Não stresses, não vale a pena, contraria a maneira de ser da tua mãe nesse aspecto por favor. Respira fundo sempre que for preciso e desemaranha-te de tudo o que te prende.

Sorri, esquece, grita, chora, perdoa, ama… Acima de tudo tenta encontrar um ponto de equilíbrio na tua vida, promete-me que não vais parar de tentar…


Tem frio, acorda, tem calor, vai dormir, salta, pula, ridiculariza-te, dá-te valor, esperneia, observa, distrai-te, atenta, vive. Finge que sabes voar, voa mesmo.

Sê feliz da maneira mais fácil, sê tu mesma. Não sejas uma versão falsa de ti. Prometes-me isso?

Sabes…O bom do final da vida é saber que ficam cá outros para fazer melhor que nós, para ser mais que nós…

Querida neta, eu acredito que vais ser muito melhor que eu. Mas o mais importante é acreditares em tu mesma, nunca deixes de acreditar em ti. Acredita que o mundo se molda aos teus olhos e nas tuas mãos. Acredita! O segredo está no Acreditar. Acredita com um sorriso na cara e terás o mundo a teus pés.

Até qualquer dia amor.

Da tua avó Matilde que estará sempre contigo.

Saturday, October 9, 2010

O Livro do desassossego (95)

"Durei horas incógnitas, momentos sucessivos sem relação, no passeio em que fui, de noite, à beira sozinha do mar. Todos os pensamentos, que têm feito viver homens, todas as emoções, que os homens têm deixado de viver, passaram por minha mente, como um resumo escuro da história, nessa minha meditação andada à beira-mar.

Sofri em mim, comigo, as aspirações de todas as eras, e comigo passearam, à beira ouvida do mar, os desassossegos de todos os tempos. O que os homens quiseram e não fizeram, o que mataram fazendo-o, o que as almas foram e ninguém disse - de tudo isto se formou a alma sensível com que passeei de noite à beira-mar. E o que os amantes estranharam no outro amante, o que a mulher ocultou sempre ao marido de quem é, o que a mãe pensa do filho que não teve, o que teve forma só num sorriso ou numa oportunidade, num tempo que não foi esse ou numa emoção que falta - tudo isso, no meu passeio à beira-mar, foi comigo e voltou comigo, e as ondas estorciam magnamente o acompanhamento que me fazia dormi-lo.


Somos quem não somos, e a vida é pronta e triste, O som das ondas à noite é um som da noite; e quantos o ouviram na própria alma, como a esperança constante que se desfaz no escuro com um som surdo de espuma funda! Que lágrimas choraram os que obtiveram, que lágrimas perderam os que conseguiram! E tudo isto, no passeio à beira-mar, se me tornou o segredo da noite e da confidência do abismo. Quantos somos! Quantos nos enganamos! Que mares soam em nós, na noite de sermos, pelas praias que nos sentimos nos alagamentos da emoção! Aquilo que se perdeu, aquilo que se deveria ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amámos e perdemos e, depois de perder, vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que julgávamos que pensávamos quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era uma emoção; e o mar todo, vindo lá, rumoroso e fresco, do grande fundo de toda a noite, a estuar fino na praia, no decurso nocturno do meu passeio à beira-mar...


Quem sabe sequer o que pensa ou o que deseja? Quem sabe o que é para si-mesmo? Quantas coisas a música sugere e nos sabe bem que não possam ser! Quantas a noite recorda e choramos e não foram nunca! Como uma voz solta da paz deitada ao comprido, a enrolação da onda estoira e esfria e há um salivar audível pela praia invisível fora.


Quanto morro se sinto por tudo! Quanto sinto se assim vagueio, incorpóreo e humano, com o coração parado como uma praia, e todo o mar de tudo, na noite em que vivemos, batendo alto, chasco, e esfria-se, no meu eterno passeio nocturno à beira-mar!"

Bernardo Soares

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"...o meu coração é uma floresta cheia de nevoeiro - guarda tudo e não encontra nada. Sou uma recordadora profissional. Vivo de recordações, mesmo daquilo que ainda não fiz.E repito infinitamente os mesmos truques. Iludo-me. Penso sempre que amanhã é que vai ser. Desenvolvi um erotismo futurista: deleito me com o puro prazer dos meus sonhos.De certa maneira, já vivi tudo, porque em sonhos consigo projectar-me inteira nos corpos, nos sentimentos e nas experiências dos outros. Tenho uma capacidade estereofónica; posso ter ao mesmo tempo cem e dezoito anos. O que é um cansaço..." IP