Sunday, February 14, 2010

Um sorriso escondido


Mais um dia de trabalho, e lá ia eu apanhar o metro. Cheguei ao banco, o meu local de trabalho, cumprimentei toda a gente e sentei-me na minha secretária. Olhei para o lado e como sempre vi o Xavier muito dedicado aos seus papéis. Comecei a pensar no porquê dele ser assim e se sempre tinha sido dessa maneira. Achava-o uma pessoa estranha, nunca esboçava um sorriso, não ia a nenhum almoço ou jantar que o pessoal do banco combinasse, estava sempre tão dedicado ao seu trabalho que mais parecia uma obsessão. Nesse dia senti que devia ir falar com ele, e fui:

- Olá, bom dia. Precisava que me ajudasses ali com uns papéis, achas que podes?

Ele olhou para os seus próprios papéis e para mim e respondeu:

- Hum, acho que posso.

Claro que era tudo uma desculpa para tentar tirá-lo daquele transe.

Tentei falar com ele sobre tudo o que me vinha à cabeça enquanto ele via os meus papéis. Só me respondia com monossílabos e hum, hum, dedicando-se ao meu trabalho como se fosse o dele.

Cada dia que passava tentava falar um pouco mais com ele e sorria muito com a esperança que um dia ele me imitasse. Mas ele nunca o fazia e eu fui perdendo a força, que no início tinha, para tentar perceber aquele ser estranho.

Um dia em que eu não estava muito bem (tinha acordado deprimida), não disse bom dia a ninguém, sentei-me na minha secretária e comecei logo a trabalhar. O Xavier que estava tão habituado que o fosse chatear logo de manhã com grandes conversas (que mais pareciam monólogos da minha parte) achou muito estranho eu não lhe ter dito nada. Pela primeira vez vi-o sair da secretária por livre e espontânea vontade numa hora que não era a hora de saída. Veio ter comigo e disse-me bom dia, eu fiz um grande esforço para esboçar um sorriso e disse-lhe bom dia também. Ele voltou para o seu lugar e eu voltei ao meu trabalho. Nesse dia almocei ali no trabalho, ele também.

Estava eu muito bem a comer o meu hambúrguer quando ele olha para mim e sorri. Eu fiquei tão surpresa que até parei de mastigar. E mesmo com a comida toda na boca disse:

- Tu sorriste?

E ele voltou a sorrir e explicou-se:

- Tens um bocado de comida no canto da boca e no nariz.

- Ah quer dizer estás-te a rir da minha figura de palhaça? - Disse eu na brincadeira ainda a falar com a boca cheia.

E vi-o a rir-se de mim com um sorriso rasgado. Era um sorriso tão bonito…

E ri-me também, acabando por quase me engasgar o que o fez rir à gargalhada, mas uma gargalhada com um tom incerto como se tivesse medo de já não saber rir.

Nos dias seguintes ele falava muito mais comigo e nos anos seguintes tornamo-nos óptimos amigos. Ele contou-me a sua história de vida que não foi nada fácil e eu compreendi o que o fez ser como era. Ele sempre tinha tido um sorriso na ponta dos lábios mas estava escondido pelas nuvens do seu passado.

Mais tarde confidenciei-lhe que tinha sido o sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto. E tinha mesmo.


Os sorrisos escondidos são os mais bonitos de se ver quando deixam, finalmente, de estar escondidos.

Thursday, February 11, 2010

Um ponto final (e parágrafo)

Precisava de pensar e não sei porquê (ou talvez saiba) apeteceu-me ir até à escola onde andei até ao meu 9ºano.
Sentei-me na paragem, onde em 5 anos que lá andei não me lembro de me ter sentado uma única vez, e olhei para a escola. Continuava com um ar novo como sempre teve, dentro dela não estava ninguém (era fim-de-semana), mas imaginei os miúdos todos lá dentro a correr de um lado para o outro, a jogarem à macaca na rampa e àquele jogo tão especial que sempre tinha feito os alunos daquela escola muito felizes. (Principalmente a mim.)
Nem me atrevo a dizer o nome. A última vez que o fiz, atacou-me uma saudade...
Todo aquele passado mesmo à minha frente deixava-me melancólica e com uma enorme vontade de voltar a viver tudo aquilo.

Estava eu envolvida nos meus pensamentos quando começo a ouvir ao longe uma voz masculina:
-Íris? Íris!

Estava diante de mim um ex-colega meu de turma, em tempos tinha sido alguém especial. Lembrei-me do seu olhar, lembrei-me das suas fraquezas e lembrei-me principalmente do quanto já tinha gostado de mim...
Adorei revê-lo, estava diferente, com um ar mais velho ( que surpresa), com um sorriso mais largo e mais sincero.
Era assim que eu gostava que ele tivesse sido sempre, mesmo quando fui estúpida com ele, mesmo quando tudo acabou.
Porém, acho que não deu para me aperceber do final, aí se fosse hoje... (Não teria feito tudo da mesma maneira?)

Ele sentou-se ao pé de mim e perguntou-me o que era feito de mim que nunca mais tinha dado notícias. E eu disse-lhe que não havia notícias para dar e que a mim também ninguém me procurou.
Ele ficou a olhar para o chão durante alguns segundos e eu comecei lentamente a derramar lágrimas. Quando ele reparou pegou na minha mão e deu-lhe um beijo e comentou que já estava com saudades dos meus choros repentinos.
E eu entre soluços constatei um facto:
- Já não cho-ra-va desde es-sa altura...
- Isso é bom sinal certo? - perguntou-me ele por não me compreender, por não saber de que é feita a minha essência, apesar de tudo.
Eu calei-me, tirei a minha mão de cima da dele e parei de chorar tão repentinamente como comecei.
Ficámos uns minutos calados e depois fiz-lhe a derradeira pergunta:
- Continuas com a Carla?
- Sim, vamos casar para o ano.

E eu lembrei-me do que ele me tinha dito há uns anos atrás que se eu quisesse, casava comigo. Mas que não podia ser naquela altura porque ainda era muito novo.

- Hum... Ainda bem então. - respondi-lhe eu, não sendo muito convincente.
- Mas afinal ainda não me disseste o que é que estás aqui a fazer...
- Até te diria, se soubesse.
Levantei-me e finalizei a conversa sem tirar os olhos da escola:
- Tenho saudades, mas esqueço-me que o passado não pode voltar. Gostei de te ver, até à próxima.
- Bem, sabes que pode não haver uma próxima tão cedo não sabes?
- Bem sei, mas não estou preocupada. Antes enchi-me de preocupação a mais, agora... Olha se tiver de ser de certo que o destino trata de nos unir de novo. - mal acabei de dizer isto, apercebi-me que tinha usado o verbo unir. Olhei para ele, esbocei um dos meus melhores sorrisos e fui-me embora não olhando para trás. Ele já teve de gritar para se fazer ouvir:
- Sempre adorei esse teu sorriso!

Inevitavelmente voltei a sorrir, desta vez para o chão e para mim própria e para o caminho que tinha à minha frente. E dei conta do que tinha acabado de fazer, tinha acabado de pôr um ponto final no passado e de sorrir para um futuro que me esperava ansiosamente.

Saturday, February 6, 2010

O que há em mim


"O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.


A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.


Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...


E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço..."

Álvaro de Campos

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"...o meu coração é uma floresta cheia de nevoeiro - guarda tudo e não encontra nada. Sou uma recordadora profissional. Vivo de recordações, mesmo daquilo que ainda não fiz.E repito infinitamente os mesmos truques. Iludo-me. Penso sempre que amanhã é que vai ser. Desenvolvi um erotismo futurista: deleito me com o puro prazer dos meus sonhos.De certa maneira, já vivi tudo, porque em sonhos consigo projectar-me inteira nos corpos, nos sentimentos e nas experiências dos outros. Tenho uma capacidade estereofónica; posso ter ao mesmo tempo cem e dezoito anos. O que é um cansaço..." IP