Monday, November 16, 2009

Ideias metafísicas do Livro do Desassossego


"A única realidade para mim são as minhas sensações. Eu sou uma sensação minha. Portanto nem da minha própria existência estou certo. Posso está-lo apenas daquelas sensações a que eu chamo minhas.
A verdade? É uma coisa exterior? Não posso ter a certeza dela, porque não é uma sensação minha, e eu só destas tenho a certeza. Uma sensação minha? De quê? Procurar o sonho é pois procurar a verdade, visto que a única verdade para mim sou eu próprio. Isolar-me tanto quanto possível dos outros é respeitar a verdade.
Toda a metafísica é a procura da verdade, entendendo por Verdade a verdade absoluta. Ora a Verdade, seja ela o que for, e admitindo que seja qualquer coisa, se existe existe ou dentro das minhas sensações, ou fora delas ou tanto dentro como fora delas. Se existe fora das minhas sensações, é uma coisa de que eu nunca posso estar certo, não existe para mim portanto, é, para mim, não só o contrário da Certeza, porque só das minhas sensações estou certo, mas o contrário de ser, porque a única coisa que existe para mim são as minhas sensações. De modo que, a existir fora das minhas sensações, a Verdade é para mim igual à Incerteza e não-ser - não existe e não é a verdade, portanto. Mas concedamos o absurdo de que as minhas sensações possam ser o erro, e o não-ser (o que é absurdo, visto que elas, com certeza, existem) – nesse caso a verdade é o ser e existe fora das minhas sensações totalmente. Mas a ideia Verdade é uma ideia minha; existe, por isso, dentro das minhas sensações: portanto, no que Verdade abstracta e fora de mim, a verdade existe dentro de mim - contradição, portanto; e erro, consequentemente.


(...)


Portanto, a verdade não existe.


Mas nós temos a ideia...
Temos, mas vemos que não corresponde a "Realidade" nenhuma, suposto que realidade significa qualquer coisa. A Verdade é, portanto, uma ideia ou sensação nossa, não sabemos de quê, sem significado, portanto sem valor, como qualquer outra sensação nossa.
Ficamos, portanto, com as nossas sensações por única "realidade", realidade que "realmente" até tem aqui certo valor, mas é uma conveniência para frasear. De "real" temos apenas as nossas sensações, mas "real" (que é uma sensação nossa) não significa nada, nem mesmo "significa" significa qualquer coisa, nem "sensação" tem um sentido, nem "tem um sentido" é coisa que tenha sentido algum. Tudo é o mesmo mistério. Reparo, porém, em que nem tudo pode significar coisa alguma, ou "mistério" é palavra que tenha significação."


Bernardo Soares

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"...o meu coração é uma floresta cheia de nevoeiro - guarda tudo e não encontra nada. Sou uma recordadora profissional. Vivo de recordações, mesmo daquilo que ainda não fiz.E repito infinitamente os mesmos truques. Iludo-me. Penso sempre que amanhã é que vai ser. Desenvolvi um erotismo futurista: deleito me com o puro prazer dos meus sonhos.De certa maneira, já vivi tudo, porque em sonhos consigo projectar-me inteira nos corpos, nos sentimentos e nas experiências dos outros. Tenho uma capacidade estereofónica; posso ter ao mesmo tempo cem e dezoito anos. O que é um cansaço..." IP