E se me perder no labirinto das palavras. Na grande teia dos medos, em dias iguais uns aos outros, todos igualmente tristes quando não escrevo, porque ás vezes é demasiado fácil a ponto de se tornar insuportável? Escrita rima com deserto e os amores são como oásis. Nunca sabemos quem lá está, até podem ser miragens. Lugares demasiado pequenos para se poder lá viver. Falta-lhes espaço e tempo, sobra-lhes a magia dos momentos. Momentos perdidos no tempo como lágrimas na chuva, disse o último replicant, antes de morrer nos braços do herói. Escrever é querer ser herói todos os dias e ser herói todos os dias cansa muito mais do que viver, do que trabalhar na estiva, é quase como estar preso. Querer sair do nosso mundo e não encontrar a porta. Abrem-se muitos janelas quando se escreve e quanto mais se escreve, mais janelas se abrem. Mas as portas, não. Não há portas, há apenas frestas, suficientemente largas para se poder assistir ao espectáculo do mundo, demasiado estreitas para se poder fugir por elas. Estamos presos nos livros que escrevemos, nos livros que amamos, nos livros que nunca vamos conseguir escrever. Vivemos amarrados ás mesmas ideias. O Borges dizia que escrevemos sempre o mesmo livro. O Graham Green era sempre o mesmo malandro de um mesmo triângulo amoroso. O Hemingway disfarçava-se sempre do herói que nunca conseguiu ser. A Yourcenar vestia sempre a pele de um homem. Mentiras, disfarces, vinganças, ajustes de contas. Traumas, ambições, segredos. Só os poetas colam a alma ao papel sem filtros nem pretensões. Esses sim, são heróis verdadeiros, porque antes de heróis, são sempre verdadeiros, antes e depois de se sentarem à secretária. Usam sempre as palavras certas. Nem mais, nem menos. E fazem música com elas. Esses sim, aceitam o exílio como condição natural. Em vez de chorarem, escrevem. E escrevem pouco, porque pouco é muito mais do que muito. Escrevem com o coração, mesmo quando o pedem emprestado. Não roubam nada, não são ladrões como nós. Escrevo sempre, sem parar. Escrevo para não enlouquecer, para nunca me esquecer quem sou, para não me cansar do mundo. Já pensei que escrever era uma forma de tocar a eternidade, mas a eternidade não existe. Nem os deuses lá vivem. Escrevo para não adoecer, para fazer companhia aos outros, mesmo quando os outros se esquecem que antes e depois das palavras, sou uma pessoa igual ás outras. Durmo, escrevo ao acordar, escrevo como uma condenada, como se amanhã fosse crucificada. E quando não escrevo sinto-me vazia. Ou melhor, esvaziada. A minha vida sem escrita é quase nada, quase nada. “
Margarida Rebelo Pinto
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