Ouço o barulho frenético da cidade e espanto-me. Já
não tinha lembrança de como era viver no centro de uma cidade, mesmo sendo esta
pequena.
Acordei e levantei-me de um salto, não conseguia
estar naquela cama se não conseguia dormir.
Sentia-me doente mesmo não tendo sintomas de
nenhuma doença. Era uma sensação de alma débil e fraca, a vontade era de ficar
o dia todo em casa a limpar e arrumar para não ter que pensar muito. De repente
ouvi o elevador e lembrei-me de quando era criança ir sempre de escada, a
correr, fosse qual fosse o andar e ficava toda contente quando chegava lá
primeiro. Humano versus machine. Olhava pela janela para a rua e o dia
estava cinzento como eu já não o via há algum tempo e fez-me sentir que não
gostava de estar doente com o tempo cinzento mas ao mesmo tempo até que fazia
sentido estar doente com o tempo cinzento. Se é para estar doente que seja
assim com o tempo cinzento e não quando o sol brilha e a praia chama por nós.
Já me tinha vestido e ia tomar o pequeno-almoço quando comecei a pensar que
esta era a única refeição do dia que gostava de tomar sozinha. Juntamente com
este pensamento começou-se a ouvir o cão da minha vizinha a ladrar, ela detesta
que ele ladre a esta hora e por isso sorri ao saber que ela poderia ter
acordado já chateada. Então fiquei à janela para ver se a minha previsão estava
correcta, e lá veio ela com um jornal na mão, toda despenteada, já aos berros
com o cão como se ele fosse uma criança mal comportada. O cão ficou a olhar
para ela com um ar como quem diz: Já é dia é para levantar.
Há muito que tentamos ao máximo esquecer as horas
aos fins-de-semana, de modo a ter paz. Gostamos de, de vez em quando,
deixar-nos ir e não fazer nada, e por isso ficamos a dormir até tarde, e por
isso limpamos a casa quando podíamos sair, e por isso acordamos sem vontade de
pensar. Não queremos lembrar-nos do que sabemos sobre o mundo, sobre a vida e
sobre nós mesmos. A sobrecarga de toda a complexidade que somos faz-nos sentir
exaustos de viver. Mas claro que os cães não percebem isso, é dia é para
ladrar, falar com outros cães, comer, brincar... e também dormir a sesta, com a
total descontracção de quem o pode fazer, de quem não está preso a nada. E
entretanto já tinha tomado o pequeno-almoço e já tinha feito a cama e começado
a ter dores de cabeça. Olho outra vez lá para fora com a esperança que o tempo
tenha mudado de cor mas ao vê-lo na mesma, cinzento, lembrei-me que a terra
precisava de chuva e fiquei feliz por vê-lo cinzento. Mesmo que não pareça
bonito é preciso que chova, é preciso que o céu chore para libertar o que
tem guardado há muito. E isso eu entendo perfeitamente, e então fico a
olhar feita parva para o céu a dizer-lhe que pode chorar que ninguém está a
ver, que irão sempre haver pessoas que sentirão as suas lágrimas e sorrirão.
Porque a tristeza de uns é a felicidade de outros. O que é, simultaneamente,
bom e mau. Mas tu céu não pensas e portanto isto não interessa para nada. De
repente o céu fica ainda mais cinzento havendo uma pequena parte dele em que o sol
brilha e isso faz-me pensar em algo que já sabia: existe sempre esperança,
existe sempre esperança.
Começando a chover, assim do nada, sem ninguém estar
à espera...
Bem-vinda chuva, há tanto tempo que não
te via...
(Uma das minhas vizinhas tinha acabado de
estender a roupa, rio-me da correria dela para a apanhar...)
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