No decorrer da vida vamos
misturando pessoas, situações, locais, expressões, sensações, sentimentos e
emoções. E lá mais para o final dela baralhamos tudo, já temos memórias a mais no
sistema e as coisas vão-se juntado todas para libertar mais espaço. Não somos assim tão diferentes de um
computador.
Mas essa junção causa problemas de
processamento, já não sabemos bem o que sentimos em determinado tempo com
determinada pessoa, o nome daquele local que odiámos já foi misturado com
aquele local que um amigo disse que era perigoso, as memórias do que éramos
debatem-se com aquelas que sempre pensávamos que seriamos. Isto leva-nos a uma
vida cheia e pouco espaço no disco rígido para processarmos a informação como
deve ser. Chegamos a velhos com aquela sensação que o espaço se está a esgotar
e o que já foi vivido há muitos anos facilmente se confunde com o presente.
Não digamos que os velhos são
pessoas acabadas e que já não sabem o que estão a dizer. Os velhos são pessoas
completas que já viveram tanto, já sonharam tanto, já imaginaram tanto, já
experienciaram e sentiram tanto que têm o disco rígido cheio, e por isso
baralham tudo e misturam tudo.
Imaginação, realidade, memórias,
recordações, sentimentos, pessoas, locais, nomes, objectos, paisagens, viagens,
tempo… É muita coisa. E é isto que
todos deveríamos ter na cabeça para que quando chegarmos a esta idade não
tenhamos raiva de nós próprios e, principalmente, para que agora, neste momento
presente, saibamos respeitar quem já viveu tanto que tem o disco rígido cheio e
por isso troca o teu nome, e por isso troca o parentesco que tem contigo, e por
isso fala-te da sua infância ou adolescência como se fosse ontem mas não se
lembra do que lhe disseste há umas horas atrás...
Ser
velho não é ser incapaz, esquecido, menos inteligente ou incoerente, é, acima de
tudo, ser uma pessoa cheia, que tem mil e uma coisas para contar e já pouco
para viver.
Um livro aberto sempre pronto para
contar a sua história, a história da sua vida, a história do seu “eu” em todas
as vertentes, todas as etapas que alcançou, todos os abismos que enfrentou,
todos os sonhos que foram realizados e aqueles que, infelizmente, ficaram
apenas no pensamento e no coração.
Nós,
que adoramos ler livros e ver filmes e séries de vidas humanas não damos a importância
devida a estes livros ambulantes virando costas a vidas reais e agarrando-nos à
ficção, da qual já não sabemos viver sem.
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