
Mais um dia de trabalho, e lá ia eu apanhar o metro. Cheguei ao banco, o meu local de trabalho, cumprimentei toda a gente e sentei-me na minha secretária. Olhei para o lado e como sempre vi o Xavier muito dedicado aos seus papéis. Comecei a pensar no porquê dele ser assim e se sempre tinha sido dessa maneira. Achava-o uma pessoa estranha, nunca esboçava um sorriso, não ia a nenhum almoço ou jantar que o pessoal do banco combinasse, estava sempre tão dedicado ao seu trabalho que mais parecia uma obsessão. Nesse dia senti que devia ir falar com ele, e fui:
- Olá, bom dia. Precisava que me ajudasses ali com uns papéis, achas que podes?
Ele olhou para os seus próprios papéis e para mim e respondeu:
- Hum, acho que posso.
Claro que era tudo uma desculpa para tentar tirá-lo daquele transe.
Tentei falar com ele sobre tudo o que me vinha à cabeça enquanto ele via os meus papéis. Só me respondia com monossílabos e hum, hum, dedicando-se ao meu trabalho como se fosse o dele.
Cada dia que passava tentava falar um pouco mais com ele e sorria muito com a esperança que um dia ele me imitasse. Mas ele nunca o fazia e eu fui perdendo a força, que no início tinha, para tentar perceber aquele ser estranho.
Um dia em que eu não estava muito bem (tinha acordado deprimida), não disse bom dia a ninguém, sentei-me na minha secretária e comecei logo a trabalhar. O Xavier que estava tão habituado que o fosse chatear logo de manhã com grandes conversas (que mais pareciam monólogos da minha parte) achou muito estranho eu não lhe ter dito nada. Pela primeira vez vi-o sair da secretária por livre e espontânea vontade numa hora que não era a hora de saída. Veio ter comigo e disse-me bom dia, eu fiz um grande esforço para esboçar um sorriso e disse-lhe bom dia também. Ele voltou para o seu lugar e eu voltei ao meu trabalho. Nesse dia almocei ali no trabalho, ele também.
Estava eu muito bem a comer o meu hambúrguer quando ele olha para mim e sorri. Eu fiquei tão surpresa que até parei de mastigar. E mesmo com a comida toda na boca disse:
- Tu sorriste?
E ele voltou a sorrir e explicou-se:
- Tens um bocado de comida no canto da boca e no nariz.
- Ah quer dizer estás-te a rir da minha figura de palhaça? - Disse eu na brincadeira ainda a falar com a boca cheia.
E vi-o a rir-se de mim com um sorriso rasgado. Era um sorriso tão bonito…
E ri-me também, acabando por quase me engasgar o que o fez rir à gargalhada, mas uma gargalhada com um tom incerto como se tivesse medo de já não saber rir.
Nos dias seguintes ele falava muito mais comigo e nos anos seguintes tornamo-nos óptimos amigos. Ele contou-me a sua história de vida que não foi nada fácil e eu compreendi o que o fez ser como era. Ele sempre tinha tido um sorriso na ponta dos lábios mas estava escondido pelas nuvens do seu passado.
Mais tarde confidenciei-lhe que tinha sido o sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto. E tinha mesmo.
Os sorrisos escondidos são os mais bonitos de se ver quando deixam, finalmente, de estar escondidos.